Ele estava lá. Sentado a beira do
fim do mundo.
No horizonte, o céu avermelhado,
o chão rachado e sem fundo, estava no lugar do que antes havia sido um dos
lugares em que ele mais gostava de sentar e apreciar a maravilha que era o
planeta Terra.
- Como o senhor está pai?
Ele olhou para o lado.
Definitivamente não era o que ele esperava, encontrar seu filho, ali, no fim de
seu mundo. Mas de
certa forma, fazia sentido. Era o
ultimo adeus.
- Considerando o que tem
acontecido, estou bem. E você filho?
- O senhor sabe. Não era
exatamente o que eu planejava pra minha vida. Mas posso dizer que gostei do que
tive até aqui. Pena não ter mais tempo.
- Sei como você se sente. Senta
aqui comigo.
O garoto sentou e passou o braço
pelos ombros do pai. Durante um tempo, ficaram ali, sem dizer uma palavra. Apenas
observando as coisas se desfazerem ao redor.
- Pai. Sempre quis ter minhas
próprias histórias. Minhas próprias aventuras. Acho que isso não é mais
possível...
- Acredito que não. – disse sem desviar os olhos do horizonte.
- O senhor se importaria de me
dizer então sobre a sua vida?
- O que gostaria de saber?
- Ah, sei lá. Só ficar olhando
tudo se desfazer. Dá muita tristeza. Me conte sobre suas alegrias. Seus amores.
Nunca tivemos isso.
- Realmente, nunca tivemos.
- Então, me conta?
- O que?
- Pai... – disse sem disfarçar um
quê de impaciência em sua voz.
- Desculpe. Já me disseram uma
vez que não sou um bom ouvinte. E nem sou bom em falar. Sou bom em escrever. Se
pudesse escrever uma história da minha vida, daria um livro gigante. Até que teria
algumas coisas pra contar.
- Então... me conta?
- Nunca fui o mais feliz dos
homens. Me faltaram amizades. Me faltou coragem de tomar atitudes que deveria
ter tomado. Mas sabe, conheci lugares maravilhosos. Conheci pessoas
maravilhosas. Viajei por todos os lugares que tu podes imaginar. Isso tudo eu
fiz. E foi muito bom. Só não tive com quem compartilhar essas histórias. Sempre
fiz essas coisas sozinho. Acho que fui eu que escolhi assim. Nunca fui muito
bom em fazer novas amizades.
- E o amor?
- O que tem ele?
- Sei lá. Falar de viagens. Dos lugares que
você conheceu. É interessante. Mas é algo que eu já fiz. Eu só nunca amei. Não
tinha idade suficiente, e agora parece que nunca vou ter.
O chão se rachou mais um pouco e
raios começaram a se formar no horizonte.
- O amor é lindo. E digo isso de
uma forma séria. Eu já amei uma vez. É o melhor sentimento do mundo. É o que
move os homens. Mais do que dinheiro, sucesso, poder. Nada disso importa,
quando não temos pra quem voltar à noite. Não temos com quem partilhar. Amar me
abriu para um novo mundo. Uma coisa que imaginei que nunca existiria. Um leque,
um colorido. Até as coisas mais banais se tornam especiais. Fica impossível
viver sem o calor que ela me trouxe.
- E o que houve?
- A vida. Eu disse. Nunca fui
fácil de conviver. Nem agora. Você sabe disso. Essa é o que? A segunda vez que
falo contigo?
- Terceira...
- Pois é. E não foi por falta de
vontade minha. Só não sabia onde te encontrar.
- Eu entendo pai. De verdade.
- Mas é isso. Eu estraguei tudo.
Dizem que a gente só ama uma vez. No meu caso foi verdade. Não deu certo, o que
não significa que meu sentimento foi menos verdadeiro.
- Você ainda não me disse o que
houve.
- É que não quero que tenha uma
ideia errada do amor. Ele é lindo. Não é triste. Acho que o fim do mundo causa
essa onda de saudosismo. Só isso. Mas o que houve é que seguimos em frente. Ela
seguiu em frente. Viveu uma vida linda e plena. Eu também segui em frente de
certa forma.
- Como assim? Então o senhor se
apaixonou de novo?
- Não. Entenda, existem muitas
maneiras de seguir em frente. Eu já tive minha cota de amor, era o que estava
reservado para mim. O fato de não ter dado certo, não diminui o que senti. O que
sinto. Existem outras coisas na vida. E não procurei mais o amor. O que sentia
por ela já era o suficiente.
- E o que houve com ela?
- Não sei. Perdemos contato há
muito tempo. Como eu disse, achei que deveria deixar ela seguir em frente. Melhor
do que impor minha presença. Algo que só atrapalhava e causava mais dor. As vezes
o amor é assim. Mas não deixa de ser amor.
- Mas... E a mamãe? Onde ela
entra nessa história? É impossível que o senhor nunca tenha sentido nada pela
mamãe.
- Filho, tu não entendeu ainda?
Depois dela não houve mais ninguém. Nunca houve sua mãe... Acho que me dói
dizer isso. Agora que tu sabes, acredito que não irei mais te ver...
O homem sentiu o braço de seu
filho ficar mais leve, e mais leve, e mais leve, até desaparecer. Tudo que
nunca foi. Tudo que poderia ter sido. Sumiu.
Uma lágrima rolou dos olhos do
homem ao se ver novamente sozinho.
- Não me entenda mal. – disse o
homem para o vazio à sua frente – Essa não é uma história sobre tristeza. Eu
realmente fui feliz. Só vivi todo o amor que podia em pouco tempo. E ele foi
suficiente para perdurar a eternidade. Existe um motivo para que o universo tenha
bilhões de anos, que existam bilhões de pessoas no mundo e que entre esses
bilhões de pessoas, tenha sido você a me ensinar a amar. Só não havia mais
ninguém para fazer isso depois.
Ele fechou os olhos por um longo
tempo. Sentindo o vento em seu rosto. Lembrando das coisas que havia realizado
e o quanto estava feliz.
E então, acordou em sua imensa
cama vazia.