domingo, 26 de maio de 2013

Uma história no fim do mundo.


Ele estava lá. Sentado a beira do fim do mundo.

No horizonte, o céu avermelhado, o chão rachado e sem fundo, estava no lugar do que antes havia sido um dos lugares em que ele mais gostava de sentar e apreciar a maravilha que era o planeta Terra.

- Como o senhor está pai?

Ele olhou para o lado. Definitivamente não era o que ele esperava, encontrar seu filho, ali, no fim de seu mundo. Mas de



certa forma, fazia sentido. Era o ultimo adeus.

- Considerando o que tem acontecido, estou bem. E você filho?

- O senhor sabe. Não era exatamente o que eu planejava pra minha vida. Mas posso dizer que gostei do que tive até aqui. Pena não ter mais tempo.

- Sei como você se sente. Senta aqui comigo.

O garoto sentou e passou o braço pelos ombros do pai. Durante um tempo, ficaram ali, sem dizer uma palavra. Apenas observando as coisas se desfazerem ao redor.

- Pai. Sempre quis ter minhas próprias histórias. Minhas próprias aventuras. Acho que isso não é mais possível...

- Acredito que não.  – disse sem desviar os olhos do horizonte.

- O senhor se importaria de me dizer então sobre a sua vida?

- O que gostaria de saber?

- Ah, sei lá. Só ficar olhando tudo se desfazer. Dá muita tristeza. Me conte sobre suas alegrias. Seus amores. Nunca tivemos isso.

- Realmente, nunca tivemos.

- Então, me conta?

- O que?

- Pai... – disse sem disfarçar um quê de impaciência em sua voz.

- Desculpe. Já me disseram uma vez que não sou um bom ouvinte. E nem sou bom em falar. Sou bom em escrever. Se pudesse escrever uma história da minha vida, daria um livro gigante. Até que teria algumas coisas pra contar.

- Então... me conta?

- Nunca fui o mais feliz dos homens. Me faltaram amizades. Me faltou coragem de tomar atitudes que deveria ter tomado. Mas sabe, conheci lugares maravilhosos. Conheci pessoas maravilhosas. Viajei por todos os lugares que tu podes imaginar. Isso tudo eu fiz. E foi muito bom. Só não tive com quem compartilhar essas histórias. Sempre fiz essas coisas sozinho. Acho que fui eu que escolhi assim. Nunca fui muito bom em fazer novas amizades.

- E o amor?

- O que tem ele?

 - Sei lá. Falar de viagens. Dos lugares que você conheceu. É interessante. Mas é algo que eu já fiz. Eu só nunca amei. Não tinha idade suficiente, e agora parece que nunca vou ter.

O chão se rachou mais um pouco e raios começaram a se formar no horizonte.

- O amor é lindo. E digo isso de uma forma séria. Eu já amei uma vez. É o melhor sentimento do mundo. É o que move os homens. Mais do que dinheiro, sucesso, poder. Nada disso importa, quando não temos pra quem voltar à noite. Não temos com quem partilhar. Amar me abriu para um novo mundo. Uma coisa que imaginei que nunca existiria. Um leque, um colorido. Até as coisas mais banais se tornam especiais. Fica impossível viver sem o calor que ela me trouxe.

- E o que houve?

- A vida. Eu disse. Nunca fui fácil de conviver. Nem agora. Você sabe disso. Essa é o que? A segunda vez que falo contigo?

- Terceira...

- Pois é. E não foi por falta de vontade minha. Só não sabia onde te encontrar.

- Eu entendo pai. De verdade.

- Mas é isso. Eu estraguei tudo. Dizem que a gente só ama uma vez. No meu caso foi verdade. Não deu certo, o que não significa que meu sentimento foi menos verdadeiro.

- Você ainda não me disse o que houve.

- É que não quero que tenha uma ideia errada do amor. Ele é lindo. Não é triste. Acho que o fim do mundo causa essa onda de saudosismo. Só isso. Mas o que houve é que seguimos em frente. Ela seguiu em frente. Viveu uma vida linda e plena. Eu também segui em frente de certa forma.

- Como assim? Então o senhor se apaixonou de novo?

- Não. Entenda, existem muitas maneiras de seguir em frente. Eu já tive minha cota de amor, era o que estava reservado para mim. O fato de não ter dado certo, não diminui o que senti. O que sinto. Existem outras coisas na vida. E não procurei mais o amor. O que sentia por ela já era o suficiente.

- E o que houve com ela?

- Não sei. Perdemos contato há muito tempo. Como eu disse, achei que deveria deixar ela seguir em frente. Melhor do que impor minha presença. Algo que só atrapalhava e causava mais dor. As vezes o amor é assim. Mas não deixa de ser amor.

- Mas... E a mamãe? Onde ela entra nessa história? É impossível que o senhor nunca tenha sentido nada pela mamãe.

- Filho, tu não entendeu ainda? Depois dela não houve mais ninguém. Nunca houve sua mãe... Acho que me dói dizer isso. Agora que tu sabes, acredito que não irei mais te ver...

O homem sentiu o braço de seu filho ficar mais leve, e mais leve, e mais leve, até desaparecer. Tudo que nunca foi. Tudo que poderia ter sido. Sumiu.

Uma lágrima rolou dos olhos do homem ao se ver novamente sozinho.

- Não me entenda mal. – disse o homem para o vazio à sua frente – Essa não é uma história sobre tristeza. Eu realmente fui feliz. Só vivi todo o amor que podia em pouco tempo. E ele foi suficiente para perdurar a eternidade. Existe um motivo para que o universo tenha bilhões de anos, que existam bilhões de pessoas no mundo e que entre esses bilhões de pessoas, tenha sido você a me ensinar a amar. Só não havia mais ninguém para fazer isso depois.

Ele fechou os olhos por um longo tempo. Sentindo o vento em seu rosto. Lembrando das coisas que havia realizado e o quanto estava feliz.

E então, acordou em sua imensa cama vazia.

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