O
menino estava nervoso. Aquele era o dia para o qual ele havia se planejado
durante meses. Aquele era o dia mais feliz para todas as pessoas. No distante
ano de 400 Antes de Cristo, uma das poucas alegrias que as pessoas tinham, que
as fazia felizes, era justamente a véspera do dia 25 de dezembro. Todos
comemoravam a chegada do inverno, venerando o grande Deus Branco, que trazia a
neve e o frio. Quando a oferenda para o Deus Branco era boa, ele recompensava
as pessoas. Fazendo com que na véspera das comemorações, um ser, utilizando um
grande manto vermelho, que montava algo parecido com cavalos voadores, distribuísse
ouro, comida e presentes entre a população, para que suportassem os períodos de
adversidade do inverno que chegava com esperança no coração.
Mas
o menino não queria saber de presentes. Seus pais estavam doentes. A comida
faltava em casa. Seus irmãos menores não comiam há séculos. Não. Ele estava
decidido. Nada de presentes. Alimentos para uma noite não o fariam ter sua família
de volta. Ele precisava falar com o mensageiro do grande Deus Branco. Pedir
ajuda. Se o mensageiro podia voar em um trenó de cavalos voadores e distribuir
comida como mágica, podia curar seus pais. E então tudo voltaria ao normal e
todos ficariam bem.
A noite
se aproximava cada vez mais. O menino, com seu corpo franzino, olhava a
movimentação das pessoas pela janela, desejando felicidades umas as outras. Ele
tinha vontade de estar lá. Brincando com as outras crianças. Então olhava para
suas roupas rotas e rasgadas, para os irmãos com fome sem ter o que comer e
para os pais deitados na cama, sem conseguir levantar. E toda a vontade de sair
ia-se embora. Finalmente, apenas poucas pessoas continuavam do lado de fora de
suas casas. A noite escura era como um breu. Aos poucos, um barulho de sino foi
ganhando forma. O sino badalava cada vez mais alto. Era o mensageiro chegando
para distribuir os presentes. Quanto mais o barulho de sino se aproximava, mais
era possível se ouvir os risos altos “Hô-Hô-Hô” se repetindo sem parar.
-
Rápido. Todos para suas casas! – berravam as pessoas que ainda estavam nas ruas
– Joulupukki está chegando!
Para
quem não conhece, a tradição de Joulupukki, o mensageiro, dizia que nenhuma
pessoa poderia ver mais do que sua sombra, ou seu manto vermelho. Caso isso
acontecesse, Joulupukki não entregaria suas dádivas e a pessoa teria azar até o
ano seguinte. Assim eram as coisas mágicas. Os Deuses possuíam desejos
estranhos. Por este motivo, sempre que se aproximava de algum lugar, ele tocava
seu sino e soltava sua risada. As pessoas sabiam que Joulupukki estava chegando
e se recolhiam prontamente.
O
menino ouviu o barulho de Joulupukki se aproximando das casas vizinhas. Olhou pela
janela. Os cavalos voadores estavam parados no meio da cidade. O manto vermelho
agora passava pelo telhado de uma das janelas vizinhas a sua.
Sorrateiramente,
ele começou a tentar saltar a janela. Viu um de seus irmãos o encarando com
olhar de tristeza nos olhos:
-
Não me olhe assim irmão. – disse com pesar – Eu preciso fazer isso. Preciso
salvar papai e mamãe. Eu prometo que voltarei.
E
dizendo isso, saltou. Se esgueirando pelas beiradas das casas, chegou perto dos
cavalos voadores. Não eram cavalos. Eles tinham chifres. Ele sentiu medo. Nunca
vira aqueles animais antes. Os animais pareceram não se importar com sua
presença. E o garoto percebeu que havia uma espécie de baú acoplado ao trenó. Com
movimentos rápidos, ele abriu o baú e se jogou dentro. Era maior por dentro do
que por fora. Apesar de não parecer que isso seria possível para quem olhasse
por fora, o menino conseguia ficar tranquilamente em pé. Era um lugar bem
espaçoso.
Enquanto
se acostumava com o local, sentiu o trenó levantando voo. Provavelmente o
mensageiro havia voltado. Agora não havia volta. Ele estava voando. E voou. E voou
muito. Pelo que pareceram horas. Claro, ele pensou. Com certeza o mensageiro
deveria fazer entregas por todos os lugares e não apenas em sua vila. Após um
longo tempo, finalmente sentiu o trenó pousando. Ele esperou alguns minutos,
para ter certeza de que estaria sozinho, e saiu. O lugar parecia uma estrebaria
comum, mas muito escura. Os animais se alimentavam de capim. Um deles possuía um
nariz vermelho e brilhante, que antes o garoto não havia reparado. Era bonito. Ele
fez um afago no animal e continuou seu caminho.
Andando
em volta, viu que deveria estar na morada do Joulupukki. Era um lugar meio
assustador e escuro. Era sem sombras de dúvidas o lugar mais frio que ele estivera em toda sua vida. Nunca sentira tanto frio antes. Talvez fosse apenas seu medo crescendo, mas ele podia
jurar que via por todos os lados sombras de seres que pareciam pequenos humanos,
de meio metro de altura, passeando por todos os lugares. Tudo ali era escuro e
estranho. Havia um cheiro meio esquisito no local. Ele não conseguia
identificar o que era, mas se perguntassem futuramente, ele diria que aquilo
era o cheiro de tristeza.
O garoto
continuou andando. De repente, sentiu pequenas mãos o segurarem. Cordas rapidamente
passavam por todo seu corpo. Ele não podia reagir. As criaturas, que pareciam
humanos em miniaturas eram reais! Falavam coisas desconexas. O garoto tentou
lutar contra. Mas pensou melhor, e decidiu que talvez assim ele conseguisse
chegar mais perto do mensageiro sem ter que procurar. E foi o que aconteceu. Os
gnomos (como ele soube que eram chamadas as criaturas), o levaram diretamente
para Joulupukki.
- O
que faz aqui em meus domínios, criança?
O
garoto explicou que queria apenas salvar os pais. Não queria incomodar o
mensageiro. Agora, olhando de perto, o mensageiro não era assustador. Parecia um
homem de trinta e poucos anos, com um olhar muito triste. O cheiro de tristeza,
vinha dele.
Quando
o menino terminou sua história, o mensageiro disse:
- Eu
posso te ajudar garoto. Porém, nada é simples. Muito tempo atrás, antes que os
avós de seus avós estivessem vivos, eu era um homem comum. Mas fui ganancioso e
mesquinho. Certa vez, me recusei a ajudar uma família necessitada. E todos
morreram durante a geada. Era uma família muito querida pelo Deus Branco, que
revoltado com minha indiferença, me matou. Porém ele mudou de ideia. E me
trouxe de volta a vida para aprender o significado de partilhar. E agora, minha
benção é minha maior maldição. Eu não posso morrer. Eu tenho este exército de
gnomos e minhas queridas renas, e sempre na época do inverno, devo distribuir
alimentos e dádivas as pessoas. Isso agora me deixa feliz. Mas eu tenho feito
há tanto tempo... não aguento mais...
- E
por que está me contando isso? Você quer minha ajuda para quebrar a maldição? E
depois vai salvar minha família?
-
Não garoto. Quando eu assumi essa função, me foi dito que a maldição seria
quebrada, se alguém de livre vontade, assumisse meu lugar. Eu posso ler a alma
das pessoas. É um dom que ganhei, para saber quem se comportou durante o ano e merece minhas bençãos e presentes. Eu sei que você seria capaz de fazer o serviço. E eu sei que,
depois de passar pelo que passei, você nunca teria coragem de passar o manto a
mais ninguém. É um fardo que carregará até o fim dos tempos. Se você aceitar,
eu salvo sua família. Eles viverão uma vida plena e feliz, eu garanto.
-
Mas como isso funciona? Eu vou poder vê-los novamente?
-
Infelizmente não. Como você sabe, me ver causa má sorte. Você agora sabe disso,
já que me viu. Quando sair do castelo, os sinos te acompanharão para que todos
se escondam. Sua família irá se esconder e nem saberá que é você que passa em
sua casa. E se por algum acaso te verem. Terão o azar de volta e voltarão a
adoecer.
- Mas o senhor disse que faz isso a centenas de anos. E parece mais novo que o meu pai. Como isso é possível?
- Mas o senhor disse que faz isso a centenas de anos. E parece mais novo que o meu pai. Como isso é possível?
- Se
você aceitar – continuou o mensageiro – Você irá se tornar imortal. Seu corpo continuará
envelhecendo até sua primeira morte. Quando ela ocorrer, esta será sua
aparência para o resto da eternidade. Caso morra amanhã, você será um garoto
pelos próximos milênios. Caso morra depois de velho, será um bom velhinho com
barba e bigode brancos. Você deverá entregar presentes, dádivas e alegrias a
todas as crianças do mundo, para sempre. E como já disse, eu posso ver sua
alma. Sei que você nunca passará a missão para mais ninguém. Você é integro
demais para isso. Você distribuirá a felicidade para todas as pessoas, sem que
possa ter realmente a sua. Será sua benção. E sua maldição. Garoto, qual é seu
nome?
-
Noel... – respondeu com uma voz baixinha.
-
Bem Noel, me desculpe por ter que fazer isso com você. Eu prometo, sua família
e as próximas gerações viverão a melhor vida possível. Você aceita carregar
este fardo?
24 de dezembro de 2012.
-
Noel, você está bem? – perguntou um dos gnomos, ao ver o velho se olhando no
espelho com olhar triste e cansado.
-
Sim meu querido amigo. Estou bem. Apenas relembrava uma escolha que fiz, muito
tempo atrás. Às vezes, quando fico em dúvida se fiz a escolha correta, preciso me lembrar do motivo pelo qual estou aqui... Mas vamos,
temos pessoas a alegrar esta noite.
FIM
Eu tive a maravilhosa oportunidade de conhecer vc, de colocar vc na minha vida e eu posso confirmar (alias, nem preciso, o texto mesmo fala por si só), o quão capaz de criar algo vc é! Algo lindo, simples mas com uma lição rejuvenescedora. Vc é, sempre foi e vai continuar sendo um grande escritor, um grande homem e uma grande pessoa... :*
ResponderExcluirMostrei pra minha mãe, que é uma adoradora esquisita de tudo relacionado ao Natal, e ela adorou.
ResponderExcluirEu te falei que ficou bom, cacete.
Lindo, lindo.
Um dia escreverei algo tão bonito... Nem que seja a última coisa que eu faça.
Um beijo.