terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Meu conto de natal


O menino estava nervoso. Aquele era o dia para o qual ele havia se planejado durante meses. Aquele era o dia mais feliz para todas as pessoas. No distante ano de 400 Antes de Cristo, uma das poucas alegrias que as pessoas tinham, que as fazia felizes, era justamente a véspera do dia 25 de dezembro. Todos comemoravam a chegada do inverno, venerando o grande Deus Branco, que trazia a neve e o frio. Quando a oferenda para o Deus Branco era boa, ele recompensava as pessoas. Fazendo com que na véspera das comemorações, um ser, utilizando um grande manto vermelho, que montava algo parecido com cavalos voadores, distribuísse ouro, comida e presentes entre a população, para que suportassem os períodos de adversidade do inverno que chegava com esperança no coração.
Mas o menino não queria saber de presentes. Seus pais estavam doentes. A comida faltava em casa. Seus irmãos menores não comiam há séculos. Não. Ele estava decidido. Nada de presentes. Alimentos para uma noite não o fariam ter sua família de volta. Ele precisava falar com o mensageiro do grande Deus Branco. Pedir ajuda. Se o mensageiro podia voar em um trenó de cavalos voadores e distribuir comida como mágica, podia curar seus pais. E então tudo voltaria ao normal e todos ficariam bem.
A noite se aproximava cada vez mais. O menino, com seu corpo franzino, olhava a movimentação das pessoas pela janela, desejando felicidades umas as outras. Ele tinha vontade de estar lá. Brincando com as outras crianças. Então olhava para suas roupas rotas e rasgadas, para os irmãos com fome sem ter o que comer e para os pais deitados na cama, sem conseguir levantar. E toda a vontade de sair ia-se embora. Finalmente, apenas poucas pessoas continuavam do lado de fora de suas casas. A noite escura era como um breu. Aos poucos, um barulho de sino foi ganhando forma. O sino badalava cada vez mais alto. Era o mensageiro chegando para distribuir os presentes. Quanto mais o barulho de sino se aproximava, mais era possível se ouvir os risos altos “Hô-Hô-Hô” se repetindo sem parar.
- Rápido. Todos para suas casas! – berravam as pessoas que ainda estavam nas ruas – Joulupukki está chegando!
Para quem não conhece, a tradição de Joulupukki, o mensageiro, dizia que nenhuma pessoa poderia ver mais do que sua sombra, ou seu manto vermelho. Caso isso acontecesse, Joulupukki não entregaria suas dádivas e a pessoa teria azar até o ano seguinte. Assim eram as coisas mágicas. Os Deuses possuíam desejos estranhos. Por este motivo, sempre que se aproximava de algum lugar, ele tocava seu sino e soltava sua risada. As pessoas sabiam que Joulupukki estava chegando e se recolhiam prontamente.
O menino ouviu o barulho de Joulupukki se aproximando das casas vizinhas. Olhou pela janela. Os cavalos voadores estavam parados no meio da cidade. O manto vermelho agora passava pelo telhado de uma das janelas vizinhas a sua.
Sorrateiramente, ele começou a tentar saltar a janela. Viu um de seus irmãos o encarando com olhar de tristeza nos olhos:
- Não me olhe assim irmão. – disse com pesar – Eu preciso fazer isso. Preciso salvar papai e mamãe. Eu prometo que voltarei.
E dizendo isso, saltou. Se esgueirando pelas beiradas das casas, chegou perto dos cavalos voadores. Não eram cavalos. Eles tinham chifres. Ele sentiu medo. Nunca vira aqueles animais antes. Os animais pareceram não se importar com sua presença. E o garoto percebeu que havia uma espécie de baú acoplado ao trenó. Com movimentos rápidos, ele abriu o baú e se jogou dentro. Era maior por dentro do que por fora. Apesar de não parecer que isso seria possível para quem olhasse por fora, o menino conseguia ficar tranquilamente em pé. Era um lugar bem espaçoso.
Enquanto se acostumava com o local, sentiu o trenó levantando voo. Provavelmente o mensageiro havia voltado. Agora não havia volta. Ele estava voando. E voou. E voou muito. Pelo que pareceram horas. Claro, ele pensou. Com certeza o mensageiro deveria fazer entregas por todos os lugares e não apenas em sua vila. Após um longo tempo, finalmente sentiu o trenó pousando. Ele esperou alguns minutos, para ter certeza de que estaria sozinho, e saiu. O lugar parecia uma estrebaria comum, mas muito escura. Os animais se alimentavam de capim. Um deles possuía um nariz vermelho e brilhante, que antes o garoto não havia reparado. Era bonito. Ele fez um afago no animal e continuou seu caminho.
Andando em volta, viu que deveria estar na morada do Joulupukki. Era um lugar meio assustador e escuro. Era sem sombras de dúvidas o lugar mais frio que ele estivera em toda sua vida. Nunca sentira tanto frio antes. Talvez fosse apenas seu medo crescendo, mas ele podia jurar que via por todos os lados sombras de seres que pareciam pequenos humanos, de meio metro de altura, passeando por todos os lugares. Tudo ali era escuro e estranho. Havia um cheiro meio esquisito no local. Ele não conseguia identificar o que era, mas se perguntassem futuramente, ele diria que aquilo era o cheiro de tristeza.
O garoto continuou andando. De repente, sentiu pequenas mãos o segurarem. Cordas rapidamente passavam por todo seu corpo. Ele não podia reagir. As criaturas, que pareciam humanos em miniaturas eram reais! Falavam coisas desconexas. O garoto tentou lutar contra. Mas pensou melhor, e decidiu que talvez assim ele conseguisse chegar mais perto do mensageiro sem ter que procurar. E foi o que aconteceu. Os gnomos (como ele soube que eram chamadas as criaturas), o levaram diretamente para Joulupukki.
- O que faz aqui em meus domínios, criança?
O garoto explicou que queria apenas salvar os pais. Não queria incomodar o mensageiro. Agora, olhando de perto, o mensageiro não era assustador. Parecia um homem de trinta e poucos anos, com um olhar muito triste. O cheiro de tristeza, vinha dele.
Quando o menino terminou sua história, o mensageiro disse:
- Eu posso te ajudar garoto. Porém, nada é simples. Muito tempo atrás, antes que os avós de seus avós estivessem vivos, eu era um homem comum. Mas fui ganancioso e mesquinho. Certa vez, me recusei a ajudar uma família necessitada. E todos morreram durante a geada. Era uma família muito querida pelo Deus Branco, que revoltado com minha indiferença, me matou. Porém ele mudou de ideia. E me trouxe de volta a vida para aprender o significado de partilhar. E agora, minha benção é minha maior maldição. Eu não posso morrer. Eu tenho este exército de gnomos e minhas queridas renas, e sempre na época do inverno, devo distribuir alimentos e dádivas as pessoas. Isso agora me deixa feliz. Mas eu tenho feito há tanto tempo... não aguento mais...
- E por que está me contando isso? Você quer minha ajuda para quebrar a maldição? E depois vai salvar minha família?
- Não garoto. Quando eu assumi essa função, me foi dito que a maldição seria quebrada, se alguém de livre vontade, assumisse meu lugar. Eu posso ler a alma das pessoas. É um dom que ganhei, para saber quem se comportou durante o ano e merece minhas bençãos e presentes. Eu sei que você seria capaz de fazer o serviço. E eu sei que, depois de passar pelo que passei, você nunca teria coragem de passar o manto a mais ninguém. É um fardo que carregará até o fim dos tempos. Se você aceitar, eu salvo sua família. Eles viverão uma vida plena e feliz, eu garanto.
- Mas como isso funciona? Eu vou poder vê-los novamente?
- Infelizmente não. Como você sabe, me ver causa má sorte. Você agora sabe disso, já que me viu. Quando sair do castelo, os sinos te acompanharão para que todos se escondam. Sua família irá se esconder e nem saberá que é você que passa em sua casa. E se por algum acaso te verem. Terão o azar de volta e voltarão a adoecer.
- Mas o senhor disse que faz isso a centenas de anos. E parece mais novo que o meu pai. Como isso é possível?
- Se você aceitar – continuou o mensageiro – Você irá se tornar imortal. Seu corpo continuará envelhecendo até sua primeira morte. Quando ela ocorrer, esta será sua aparência para o resto da eternidade. Caso morra amanhã, você será um garoto pelos próximos milênios. Caso morra depois de velho, será um bom velhinho com barba e bigode brancos. Você deverá entregar presentes, dádivas e alegrias a todas as crianças do mundo, para sempre. E como já disse, eu posso ver sua alma. Sei que você nunca passará a missão para mais ninguém. Você é integro demais para isso. Você distribuirá a felicidade para todas as pessoas, sem que possa ter realmente a sua. Será sua benção. E sua maldição. Garoto, qual é seu nome?
- Noel... – respondeu com uma voz baixinha.
- Bem Noel, me desculpe por ter que fazer isso com você. Eu prometo, sua família e as próximas gerações viverão a melhor vida possível. Você aceita carregar este fardo?


 24 de dezembro de 2012.
- Noel, você está bem? – perguntou um dos gnomos, ao ver o velho se olhando no espelho com olhar triste e cansado.
- Sim meu querido amigo. Estou bem. Apenas relembrava uma escolha que fiz, muito tempo atrás. Às vezes, quando fico em dúvida se fiz a escolha correta, preciso me lembrar do motivo pelo qual estou aqui... Mas vamos, temos pessoas a alegrar esta noite.
FIM

2 comentários:

  1. Eu tive a maravilhosa oportunidade de conhecer vc, de colocar vc na minha vida e eu posso confirmar (alias, nem preciso, o texto mesmo fala por si só), o quão capaz de criar algo vc é! Algo lindo, simples mas com uma lição rejuvenescedora. Vc é, sempre foi e vai continuar sendo um grande escritor, um grande homem e uma grande pessoa... :*

    ResponderExcluir
  2. Mostrei pra minha mãe, que é uma adoradora esquisita de tudo relacionado ao Natal, e ela adorou.
    Eu te falei que ficou bom, cacete.
    Lindo, lindo.

    Um dia escreverei algo tão bonito... Nem que seja a última coisa que eu faça.

    Um beijo.

    ResponderExcluir